terça-feira, 14 de abril de 2015

Ney : A voz da alma



O Ney é um dos principais instrumentos de sopro da Turquia, e sua historia remonta a tempos ancientais e ainda hoje, tem  um papel muito importante na musica clássica turca e na musica religiosa. O nome mais antigo para o instrumento é “nâ” ou “nay” palavra suméria que foi incorporada ao persa e significa cana ou bambu;  a palavra “mizmar” usada pelos árabes para quase todos os instrumentos de sopro e significa “ instrumento voz” também foi usada para nomeá-lo. Na Turquia é tradicionalmente conhecido como Ney, e também a chamado assim em alguns países da Europa oriental. junto a palavra “zan”  do verbo persa “zadan” (tocar, tanger) temos a palavra neyzan, que se torna neyzen na pronuncia turca; e significa alguém que estuda e preserva a tradição do Ney. A palavra em árabe “Nâyî” tem o mesmo significado. Por conta do seu timbre único, o Ney sempre acabou ganhando muita importância na cultura musical dos lugares em que ocorreu. Acredita-se que a existência de tipos primitivos de Ney remontam a 5000 a.c.;  e o primeiro Ney de que se tem conhecimento remonta a cultura suméria. O exemplar mais antigo encontrado do instrumento data de 2800-3000 a.c., e hoje se encontra no museu da University of Philadelphia. Nas civilizações da Ásia central durante o sec. 9 , o Ney existia em diversos tipos e construção por Árabes e persas. E sabe-se que já era usado em cerimonias religiosas ainda naquele tempo. Alguns também acreditam que o Ney tenha sido inventado por persas. Acredita-se que o Ney usado pelos Hitay Turks, conhecidos por serem musicalmente avançados, foi tocado desde tempos ancientais na Ásia central . O Ney foi realmente incorporado a cultura turca após a sua aceitação do islã e a partir do sec. 13 se tornou um símbolo de misticismo. O grande poeta místico Mevlana Jallalludin Rumi, que viveu nesse século foi muito influenciado pela musica, e em especial pelo som do Ney. Olhando de volta ao passado e examinando as fontes e os trabalhos dos antigos mestres mevlevi, era comum encontrar o titulo “neyzen” entre os nomes deles. 




Estrutura:


O Ney e feito a partir da cana (arundo donax) que cresce em larga escala em climas quentes. Na Turquia as mais apreciadas são as que nascem nas regiões do mediterrâneo, especialmente a da região Antakia e Aegean. As que crescem na região do deserto de Hijaz, na Síria e no Líbano não são muito estimadas por uma largura menor; acredita-se que isso faz com que a cana produza um som pequeno e apagado. 
O Ney consiste em três partes:
Baspare: é a boquilha. Passou a ser usada entre os sec. 18 e 19 devido à facilidade de projeção e tocabilidade necessários para tocar a complexa musica otomana.
Parazvane: anéis de metal atados às duas extremidades da cana para evitar que o instrumento se rache.
Kamis: é o nome da cana em turco, é a madeira em si; corpo que possui 9 segmentos e 7 buracos.

Tipos de Ney:


Existem vários tipos de Ney, com diferentes tamanhos e afinações,  os “nisfiye” e os “mabeyn”. Os principais são; Bol Ahenk, Davud sah, Mansur, Kiz, Mustahsen, e Supurde. Os nisfiye são  os que estão uma oitava acima dos principais como: Bol ahenk nisfiye, Davud nisfiye, Sah nisfiye, Mansur nisfiye.
 Já os mebeyn são afinados em semitons como o Mansur Sah Mabeyn, e o Kiz Mansur Mabeyn.

Os Neys mencionados em lista: 

1 bolahenk nisfiye

2 bolahenk supurde nisfiye mebeyni

3 supurde

4 mustahsen

5 yildiz

6 kiz neyi

7 kiz Mansur mabeyni

8  mansur

9 Mansur sah mabeyni

10 sah

11 davud

12 davud-bolahenk mebeyni

1 Bol Ahenk



O Ney na cultura e literatura turca

A musica sempre esteve presente na vida religiosa da Turquia. Antes do advento do Islã, a presença da musica na vida cotidiana e em cerimonias religiosas assim como o Âyin, Cem, Zikr, Deverâan etc., tornou-se um ponto de controvérsia, e instrumentos de corda eram terminantemente proibidos em diversas ordens. Os únicos instrumentos que permaneceram foram o Ney e o Bendir, isso em quase todas as ordens. Quando se fala sobre o Ney, a primeira personalidade que vem a mente a do mestre Hz. Mevlana, e suas palavras, que a musica eram a linguagem de Deus. Acredita-se que o criador tenha se comunicado com as almas no momento em que as criou, com musica. Por essa razão, sem distinção de nacionalidade e cultura, todos podem compartilhar os mesmo sentimentos através da musica. Nenhuma arte penetra mais fundo do que a musica que é vista como um meio de real purificação, carinho e exaltação a divindade. Com essa purificação, a alma encontra a cura, removendo os tormentos da vida humana. Uma alma sem purificação, não se eleva. Ao contrario, se torna cada vez mais cega pela sujeira das paixões mundanas. A música suprime os anseios mais animais, e leva a alma a experimentar da “infinita presença” e a leva mais para perto da divindade. E para este fim, a voz mais adequada é a do Ney. 

Na literatura religiosa o Ney é muito mais do que uma cana que nasce por acaso  nos descampados banhados ao vento. O Ney, nas mãos de alguém que esta apaixonado pela divindade é como fogo, é como o próprio coração.  É um segredo de Deus. Conta-se que um dia o grande rei Davi, passando pelas canas crescendo em um charco, ouviu um som divino, e descobriu que esse som era o vento, soprando nas canas partidas. Mas que som! Davi então parou e se dirigiu até as canas “este é um som sagrado” ele deve ter pensado. Cortou um pedaço de uma das canas, levou-a aos lábios e soprou. Ele então conseguiu, através da cana, expressar seu amor e adoração a Deus.  Aquele pequeno pedaço de madeira, se transformara em amor puro em suas mãos. De acordo com outra historia, o profeta Mohammed, depois de experimentar as verdades divinas após uma longa meditação, não conseguiu conter a grande intensidade da verdade que havia ouvido, então a contou a seu protegido, Ali. Ali também não foi capaz de conter tamanha verdade, então por sua vez ele contou essa verdade para um córrego seco. Anos depois, quando o grande profeta passava pela mesma região, ouviu ao longe as palavras que havia revelado ao seu querido Ali. Seguindo o som, encontrou um grande canavial, e o som que ele ouvia era o do vento soprando nas canas, e contando tal divina verdade. Desde estes tempos, o instrumento de sopro feito de cana e conhecido como Ney vem revelando este segredo a todos os que compreendem sua linguagem, e lamenta a grande separação. Nos primeiros versos do Masnavi do grande mestre Mevlana Rumi, ele confirma o que foi dito acima, ele conta respeito do segredo que o Ney revela ao homem. Os que estudam o Masnavi concordam que o Ney, ardente em chamas de amor e separação, desde que foi cortado do charco em que crescia, representa o Insan-i Kamil (aquele que descobriu o sentido da existência, e estabeleceu contato com Deus) e que sente uma eterna saudade de sua união com Deus, assim como o Ney sente saudade de quando crescia entre as canas.

Na Mistica islâmica, o desejo de unidade com a divindade expressada pelo Ney, e uma analogia ao ser humano, forçado a cair degrau após degrau no mundo material, sentindo sempre esta nostalgia, de quando a alma e o criador eram um. Desencorajado e sem esperança, ele deve mais uma vez voltar a sua terra natal. Desde a primeira cana a ser cortada de seu leito natural, ela tomou diversas formas, passou de mão em mão, até se tornar um instrumento.









Bibliografia

Turk Musikisi Tarihi - Ak, Ahmet Sahin - Ankara
Garpli Gozuyle Turk Musikisi , Instanbul 1963
Arsli Orhan - " Neyzen Musiki Meemuasi"
Ergun, Sadeddin Nuzhet - Turk Musikisi Antolojisi , Instanbul, 1942
Erguner, Suleyman - Ney Metod , Instanbul ,2002



segunda-feira, 6 de abril de 2015

Música - Hazrat Inayat Khan

A palavra música que usamos em nossa linguagem diária, nada mais é do que o retrato do nosso bem amado. É pelo fato de a música ser o retrato de nosso bem amado que amamos a música. A questão é saber o que é, e aonde se encontra o nosso bem amado. Nosso bem amado é nosso começo e nosso fim. E o que dele vemos diante dos nossos olhos físicos é a beleza que se descortina diante de nós. E a parte de nosso bem amado que não é manifesta a nossos olhos é aquela forma interna de beleza, mediante a qual nosso bem amado nos fala. Se ao menos pudéssemos escutar a voz de toda a beleza que nos atrai de qualquer forma, verificaríamos que, em todos os seus aspectos, ela nos diz que por traz de toda manifestação esta o espirito perfeito, o espirito da sabedoria. Que coisa vemos como a principal expressão da beleza visível diante de nós? O movimento. Nas linhas, nas cores, na mudança das estações, na subida e descida das ondas, no vento, na tempestade, em tudo a beleza da natureza esta em constante movimento. É o movimento que cria os dias e as noites, bem como as mudanças das estações. E tal movimento deu-nos o entendimento daquilo que chamamos de tempo. De outra maneira, não haveria tempo, pois, na verdade só existe a eternidade. E o fato nos ensina que tudo aquilo que amamos e admiramos, observamos e compreendemos, é a vida que se oculta por trás dessas coisas, sendo a vida de nosso próprio ser

 É por força de nossas limitações que não podemos ver o ser total de Deus, No entanto, tudo o que amamos nas cores, nas linhas, nas formas ou personalidade pertence à beleza real, ao bem amado e a todos. E quando descobrimos o que é que nos atrai nessa beleza que vemos nas formas, descobrimos que é seu movimento. Em outras palavras, é a música. Todas as formas da natureza, como por exemplo as flores, têm cores e formas perfeitas. Os planetas, as estrelas a terra, tudo nos da a ideia de harmonia, de música, a própria natureza respira. Fazem-no não apenas as criaturas vivas, mas a natureza como um bloco. E é apenas a nossa tendência de comparar aquilo que parece vivo com aquilo que parece menos vivo que nos faz esquecer que todas as coisas e todos os seres estão vivendo uma vida única e perfeita. E o sinal dessa vida nos é dado pela beleza viva da música. O que é que faz a alma do poeta dançar? A música. O que é que faz com que o pintor produza belos quadros, com que o músico cante lindas canções? É a inspiração concedida pela beleza. Assim, os sufis chamam essa beleza de “saki”, a divina doadora, que da o vinho da vida a todos. Qual é o vinho dos sufis? A beleza nas formas, nas linhas, nas cores, na imaginação, nos sentimentos, nas maneiras. Em tudo ele vê essa beleza única. Todas essas diferentes formas são parte do espirito da beleza que constitui a vida por trás dela, como benção continua.  Quanto ao que, em nossa vida diária, chamamos de música, para mim arquitetura é música, jardinagem é música cuidar de fazendas é música, pintar é música, poesia é música. Em todas as atividades da vida aonde a beleza serviu de inspiração, aonde o vinho divino foi derramado há música. No entanto, dentre as diferentes artes, a arte musical foi especialmente considerada divina, porque ela é a miniatura exata da lei que trabalha através do universo inteiro. Por exemplo, se nos examinarmos, verificaremos que as pulsações a batidas do coração, a inalação e exalação do ato de respirar, são em bloco, um trabalho ritmado. A vida depende do trabalho desse ritmo no mecanismo total do corpo. A respiração manifesta-se pela forma de voz, de palavra ou de som e esse som é continuamente audível, seja ele interno ou externo a nos mesmos. 

A música inspira não apenas a alma dos grandes músicos, mas também a todos os recém-nascidos, que no momento em que chegam ao mundo, começam a mover pernas e braços ao ritmo da música. Portanto, não é exagero dizer que a música é a linguagem da beleza daquele que todos amamos. E quando conseguimos conscientizar esse fato e reconhecer a perfeição de toda a beleza de toda a beleza como deus, nosso bem amado, compreende-se por que motivo a música que experimentamos na arte e no universo inteiro tem de ser chamada de arte divina. Muitos nesse mundo fazem da música uma fonte de entretenimento, um passatempo, e para muitos, a música é uma arte e o músico um mero entretorcedor. No entanto, ninguém que tenha vivido nesse mundo, que tenha pensado e sentido, poderia jamais deixar de considerar a música como a mais sagrada de todas as artes, pois o fato é que aquilo que a arte da pintura não pode sugerir claramente, a poesia explica em palavras. Não obstante, aquilo que até mesmo um poeta acha difícil de expressar em palavras, é expresso claramente em música. Com isso, não apenas digo que a música é superior às artes, e a poesia, mas que ela assume um papel de religião, pois a música eleva a alma do homem a alturas maiores do que as formas externas das assim chamadas religiões. Não se deve entender, com estas palavras, que a música pode tomar o lugar da religião, pois nem todas as almas estão necessariamente sintonizadas naquele tom dentro do qual poderiam, realmente, beneficiar-se com a música, e nem todas as músicas são necessariamente tão elevadas a ponto de exaltar uma pessoa como a religião pode fazer. No entanto, para aqueles que trilham o caminho do culto interior, a música é essencial para seu desenvolvimento espiritual. A razão disto, é que a alma que se encontra em processo de busca esta procurando ao DEUS sem forma. A arte é, sem duvida, bastante inspiradora, mas ao mesmo tempo, ela tem forma. A poesia tem palavras, nomes e formas sugestivas. Só a música dispõe de beleza, força, charme e, ao mesmo tempo, pode elevar a alma para além da forma. Eis porque, nos tempos antigos, os maiores profetas eram grandes músicos. Por exemplo, entre os profetas hindus encontramos Narada, o profeta que também era músico e Shiva, que foi um Deus-profeta, e que foi o inventor da sagrada veena. A Krishna igualmente atribui-se o invento da flauta. Também existe uma lenda bastante conhecida e ligada à vida de Moisés, a qual afirma que Moisés ouviu uma ordem divina, no monte Sinai, vertida nas seguintes palavras ”muse-ke” ou seja, “ouve Moisés”, e a revelação lhe foi dada sobre a forma de tom e ritmo, tendo ele batizando-a de Musik. As palavras música e Musike tiveram ai sua origem. As canções e salmos de Davi tornaram-se conhecidas através das idades e sua mensagem foi transmitida em forma de música. O Orfeu, das lendas gregas, conhecedor dos mistérios do tom e do ritmo, tinha por meio desse conhecimento, o domínio sobre as forças ocultas da natureza.  A deusa hindu da beleza e do conhecimento, cujo nome é saraswati, foi sempre vista com uma veena nas mãos. O que isto sugere? Sugere que toda a harmonia tem sua essência na música. E, em paralelo com o charme natural oferecido pela música, existe também um encantamento magico que pode ser experimentado mesmo em nossos dias. Parece que a humanidade perdeu uma grande parte da ciência magica, mas, se existe alguma magia, ela repousa na música. Além de sua força, a música inebria. Quando ela inebria aqueles que ouvem, imagine o quanto ela não toca aqueles que a executam ou cantam!... E o quanto ela não deve inebriar aqueles que roçaram a perfeição na música e meditaram sobre ela durante anos a fio. Isso lhes confere uma alegria e uma exaltação semelhante a de um rei sentado no trono.

De acordo com os pensadores do oriente, existem 5 diferentes inebriamentos: o  da beleza, da juventude e da força, logo seguidos pelo da riqueza. O terceiro inebriamento é o do poder, do comando e do governo, E existe um quarto tipo que é o do aprendizado, do conhecimento. No entanto, esse quatro tipos de inebriamento empalidecem como as estrelas diante do sol representado pelo inebriamento da música. A razão disso é que ela toca a mais intimas parte do ser humano. A música tem maior alcance do que qualquer outra impressão causada pelo mundo exterior. E a beleza da música é tanto o berço da criação, como o meio de absorvê-lo. Em outras palavras, o mundo foi criado através da música e através dela será novamente integrado na fonte que o criou. Neste mundo material e cientifico podemos observar um exemplo semelhante. Antes que qualquer maquina funcione, primeiro deve-se ouvir um ruído. Primeiro esse ruído se faz audível para que depois, mostre a sua vida. Podemos observar isso num avião. Tal ideia pertence ao misticismo do som. Antes que uma criança seja capaz de admirar cores e formas, ela aprecia o som. Se existe algum tipo de arte capaz de carregar a juventude de vida, e entusiasmo, paixão e moções, essa arte é a música. Se existe algum tipo de arte através da qual uma pessoa possa manifestar integralmente seus sentimentos e moções, tal arte é a música. Ao mesmo tempo, ela é algo que da ao homem aquela força e aquele poder de agir que faz com que soldados marchem ao som dos tambores e dos clarins. As tradições do passado afirmam que no ultimo dia, haverá um som de trombetas antes do final do mundo. Isso mostra como a música acha-se ligada com o começo, a continuidade, e o fim da criação. Os místicos de todas as idades amaram muito a música. Em quase todos os círculos do culto interior, em qualquer parte do mundo, a música parece ser o centro da cerimônia do culto. E aqueles que atingiram a paz perfeita que responde pelo nome de nirvana ou samadhi na linguagem dos hindus, conseguem-no melhor através da música.


Os sufis, portanto, especialmente os da escola Chishtia dos tempos antigos, fizeram da música o centro e sua meditações. Por tal método de meditação eles extraem muitos benefícios dela, mais do que aqueles que o fazem sem a ajuda da música. O efeito que eles experimentam é o desdobramento da alma e a abertura das faculdades intuitivas. Seus corações, por assim dizer, abrem-se a todo tipo de beleza que existe do lado de dentro e do lado de fora, elevando suas almas e, ao mesmo tempo, trazendo a eles aquela perfeição pela qual todas as almas anseiam.

- Hazrat Inayat Khan



Referencias:
 Hazrat Inayat Khan - Música primeiro capitulo.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A mística do som e a correnteza da consciência



  A Transmissão e o ensino da Música e a espiritualidade sempre traçaram um caminho em sincronia através de uma rica coexistencia na arte e no desenvolvimento pessoal do ser humano.Seu ensino,antes de um conceito puramente teórico, técnico e impessoal,era um caminho existencial,uma filosofia viva e disciplina diária,uma rota completamente única entre o ego e a essência, a racionalização e a intuição,a consciência e a arte,criando e transformando aqueles que a vivenciam para sempre.Nas culturas milenares antigas,a Música e os estudos do som eram de grande importância e teor místico,e afetavam diretamente a filosofia pessoal,cultural e religiosa de suas sociedades.O caminho musical, seu estudo e erudição eram considerados essencialmente espirituais e existenciais,tendo sua ciência e sua manifestação grande importância na harmonização, criação, manutenção e equilíbrio dessas antigas civilizações.



Na civilização Védica da Índia arcaica,a música e sua mística transcendente vem de uma corrente antiga de ensino e possuía qualidades sagradas e devocionais.No Rigveda,livro mais antigo e sagrado dos Vedas,datado de mais de quatro mil anos,há  uma relação profunda entre som e consciência,um conceito primitivo da espiritualidade hindu:Nada Brahma.Nada é o som,a vibração primordial,a correnteza da essência;Brahma é a criação,o cosmo vivo, o crescimento e a própria energia viva da consciência, representado também como o Deus hindu da Trimurti Indiana,
juntamente com Vishnu e Shiva. Nada Brahma então, entre seus muitos significados, e a corrente da consciência. um conceito extremamente antigo, existindo desde que nasceram as primeiras formas de linguagem. O Estudo da música clássica indiana,é antes de mais nada,um caminho espiritual,onde um guru transmite ao seu discípulo não apenas a arte da música e sua execução correta,mais o elucida num caminho espiritual único e profundo,sendo uma união de uma vida de estudos e aprendizados.



A antiga China,mundialmente conhecida por ter sido uma sociedade altamente avançada nas artes,medicina e filosofia, a música era um arte vasta e antiga,tanto quanto sua própria sociedade.
Para os antigos chineses, as notas de toda música continham uma essência de poder transcendente.
Uma peça musical era uma fórmula de energia.Cada trecho distinto de música desvendava e buscava o sagrado poder do som.
Cada composição exercia influências específicas sobre o homem, a civilização e o mundo.Seu poder espiritual possuía qualidades místicas particulares,e sua forma se manifestava não como apenas um conjunto de sons,mais uma força da natureza.Compreendiam os chineses que o poder da música era uma energia livre e criativa,o som dos cosmos,e que através de seu puro conhecimento e execução correta,possuía um latente poder de transformação, diretamente ligado ao equilíbrio universal.



Nos Dias de Hoje,a Ciência moderna conhece fatos científicos que exaltam as qualidades do Som como força criativa viva presente no coração da existência material,o que traça um paralelo direto com a antiga sabedoria dos mestres do oriente.As partículas do oxigénio,prótons e nêutrons possuem uma vibração na escala melódica maior;os talos de cereais "cantam" cada um sua própria canção,e que todas essas distintas canções dos milhões de talos de cereais ressoam num uníssono harmónico;o vento e o o oceano mudam de tonalidade conforme os dias...o mundo é som.
ele é som nos pulsares e na órbita dos planetas e na estrutura molecular no macro e no microcosmos. O fenómeno das vibrações estão presentes na maior parte das facetas da existência física e e espiritual, e tanto os antigos sábiosquanto os cientistas atestam sua latente força presente.
Sendo assim, seja qual estilo, etnia credo e propósito,a música vai além de um simples hobby, distração ou marketing, podendo ser uma potente força de crescimento e consciência espiritual para seus músicos e ouvintes.Hoje, é possível fazer um profundo resgate desse antigo conhecimento e anexa-lo a uma concepção musical moderna,criando assim uma nova abordagem e uma nova ferramenta de expressão e individualidade musical,um instrumento da alma.

  Texto por Ian Nain

Referências:

O poder oculto da música - David Tame
Nada Brahma - Joachim Ernst Berendt ,1983
Vedas and the cosmos - 1954
Music of ancient china- a guide to mystic
Grove Dictionary of Music and Musicians



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terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A arte da Música Oriental e o Oud


 A Civilização Islamica do Mundo árabe herdou muitas
das antigas tradições do antigo oriente,e sempre deu
a música um papel de grande destaque dentre as artes
elevadas,atribuindo-lhe origens divinas e um poderoso
efeito sobre seus músicos e ouvintes,ainda conhecido
nos dias de hoje como Tarab.
O Tarab,mais que uma emoção e um sentimento,é o despertar
invisivél que queima nos corações daqueles que sentem
o eterno e conecção entre o divino e o todo,o êxtase
atráves da arte.




A Música é vista pelos místicos como tendo seu nascimento
diretamente
ligado com a criação e os cosmos:Todos os planetas e todos os elementos da
natureza formam um cênario onde a música tem um papel integral,seja no ritmo das ondas do mar,o bater de
um coração ou o uivo dos ventos.
Em cada átomo a vibração do som se expande, criando
e transformando tudopor onde passa.
Sendo assim,os Instrumentos musicais carregam em sí
e em sua história um
status divino que acompanham o homem desde do nascimento das mais antigas civilizações.
 Na tradição Islámica por exemplo, é contado que Allah deu aos
filhos de Caima habilidade de construir instrumentos músicais: Lamek faz o Oud(alaúde) Tubal invetou o Tambor
(daff ou tabl) e Dilal(filha de Noé)
a harpa (mi'zaf).


 

o Oud(Barbat em persa),é um dos instrumentos 

mais antigos da humanidade,
originário a
provavelmentemais de 3.500 anos
na antiga Persia, tendo também

suas origens na remota Suméria.
Instrumentos muito similiares podem
ser vistos nas antigas
pinturas egípcias nas piramides no
tempo dos faraós. 

Seu nome árabe "Al Oud" significa "madeira"e foi introduzido ao
mundo árabe provavelmente 

no primeiro  periodo do islã pelos Persas.




A caixa acústica do Oud é em formaro de pêra, tem um braço relativamente
curto e sem trastes.O formato preciso e a dimensão diferem pelo Oriente, bem como a quantidade de cordas - de cinco, seis, e sete cordas.
 As cordas no passado eram feitas de tripa, hoje em nylon.


O Oud tem grande destaque e importancia na música e na arte da composição do oriente médio, sendo considerado um instrumento aristocrático e nobre, com um vasto
repertório na música Clássica Árabe. A partir do 9ºSec. a tradição musical do Mediterrâneo foi em grande parte baseada no Oud e sua linguagem se desenvolveu gradualmente
coexistindo
em tradições e estilos diferenciados, rompendo barreiras e limites entre povos e tradições.
Foi introduzido na Europa no periodo das cruzadas,vindo
e se tornar o Lute
Renascentista,instrumento que
posteriormente deu origem ao Violão clássico.






Nos dias de hoje,sua arte e essencia continuam vivos mesmo
que seu estudo, linguagem, segredos e desen-
volvimento seja feito através da
oralidade,ou seja,passado diretamente
de mestre a discipulo.Atualmente, existem métodos
e sites que através de uma  pesquisa exepcional ,tem um
material vasto,onde sua cultura,arte e desenvolvimento
músical continua se expandindo para ocidentais e orientais.
Nos dias de hoje,a arte do Oud continua emergente e
criativa,cativando corações
e almas de todos aqueles que buscam
 sua arte antiga e sagrada,que antes de um estudo,é uma forma de oração. 

Referencias -

 Kurt Reinhard: The New Grove: Dictionary of Music and Musicians. vol. 19. ed. London: Macmillan, 1980

Josef Pacholczyk: The New Grove: Dictionary of Music and Musicians. vol. 1. ed. London: Macmillan,1980

Karl Signell: Makam: Modern Practice in Turkish Art Music. New York: DaCapo Press, 1985

The Arabic Music Atlas -1975

Modern arabic music -1945

Mike's Oud site - www.mikesoud.com

Oud or Ud  -  http://www.oud.gr/about_oud.htm




quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Do Oriente ao Ocidente ; Os caminhos do Mediterrâneo




As origens da cultura Ocidental podem ser traçadas de volta aos valores culturais do antigo Oriente. Em todos os estágios da Historia da arte e da cultura ocidental existiram relações estreitas com a cultura oriental. A região do mediterrâneo exerceu uma influencia crucial no ocidente num período de inter-relações recíprocas. Na música e na arte do Grande Mediterrâneo, nunca existiram reais barreiras entre ambos. A despeito de todas as diferenças de culto, hábitos e costumes, no campo da Música, sempre existiram fortes laços entre eles. 



Sob o governo dos Califas no sec. 7 á 8, a música árabe, através de uma integração de elementos das culturas musicais Árabe-semita, Bizantino-helenistica, Cristã primitiva, Persa e Africana desenvolveu uma forma musical regional e folclórica muito peculiar. Esse desenvolvimento foi sem duvida, uma das muitas razões para sua grande maturidade, e seu impacto subseqüente em tantas outras culturas.

  
             Na antiga Andaluzia, influencias dos 
  Visigodos emergiram junto com a musica   dos bárbaros e a refinada tradição Umayyad. Instrumentos Árabes de origem Pré-Asia como o Ud, e a forma primitiva do violino (Rabab) foram introduzidos na Europa Ocidental. Durante o período de tensão política na Espanha Islâmica, foi a música que manteve os laços entre os povos. Com a tradução dos trabalhos de muitos musicólogos Árabes dos sec. 8 e 9 essas tradições ficaram mais acessíveis. O som dos instrumentos recém incorporados desenvolvidos á partir do modelo árabe deu inicio a uma verdadeira revolução musical na Europa Ocidental. O conhecimento e o domínio dos princípios rítmicos e das inter-relações entre as notas (intervalos-modos) também influenciaram os trabalhos de Franco de Colônia (1190) o fundador da notação musical Franconiana.

Existem muitos indícios de que os instrumentistas medievais buscavam a maneira, e o sentimento dos músicos do Oriente Médio. Fontes contemporâneas indicam que nos anos dourados da arte e poesia dos trovadores, Mouros que cantavam e escreviam poesia em árabe, tinham presença ativa na corte da Espanha cristã, e realizavam concertos regulares na França Provinciana.
Durante o sec. 16, enquanto a Europa experimentava a repentina promoção da musica para “arte elevada” a musica árabe-oriental conheceu uma virtual estagnação.
A natureza da liturgia Cristã-Oriental adotada na época, sofreu então uma mudança com a adição de polifonia e de novas composições.
Na era do virtuosismo, uma distinção entre "interprete-instrumentista" e compositor começou a surgir, o que fez com que o desenvolvimento da musica ocidental gradualmente se afastasse da estética oriental.






 
Na Itália cosmopolita Renascentista, berço da ópera, a influencia oriental já era indiscernível.
Artistas franceses, consideravam o oriente  uma exótica terra de sonhos, onde podiam indulgir   seguramente em fantasias irrestritas. Mas o florescimento do romantismo do deserto, foi apenas uma moda passageira, pois os recursos artísticos  dos compositores permaneceram muito fortemente relacionados as expectativas e prejuízos de seu tempo.







Toda a arte musical que não se conforme a estrutura melódica, rítmica e harmônica da chamada musica ocidental é chamada arrogantemente “primitiva”.

Em 1851, quando os primeiros grandes viajantes começaram a fazer gravações de todos os povos, em seu próprio país, Hector Berlioz declarou desparatadamente: “musicalmente, chineses e indianos permanecem na periferia da barbaridade, perdidos em uma inocência quase infantil. O que os orientais chamam musica, pessoas comuns chamariam “ruído”. Para eles o odioso é o belo.”







 
Um graduado Hindu, Dvarkanath Tagore, mencionou em sua entrevista em paris no ano de 1844; “Quando ouvi a musica italiana pela primeira vez, não pude perceber música em sentido algum: porem, mantive a atenção ate poder apreciá-la, ou como você diria, entende-la. Tentamos entender e apreciar tudo o que vem do ocidente sem impor nosso contexto musical. Se estudassem nossa musica, com a profundidade com que estudamos a sua, descobririam uma grande riqueza rítmica, harmônica e melódica.” Ele falava á Friedrich Max Muler, professor de filologia comparativa em Oxford.
Friedrich traçara o seguinte paralelo entre os sistemas musicais e matemáticos da Índia, Oriente e Europa Ocidental;
“Em nosso mundo civilizado moderno, existe pouco de verdadeiramente exótico. Se pudéssemos nos libertar de nossos problemas, e olhar além do nosso campo limitado de visão, teríamos um miríade magnífica de experiências desconhecidas.  Hesitaríamos então em julgar o mundo lá fora.

 Existiram compositores, tanto no Oriente quanto no Ocidente, que tentaram superar os problemas em sua sociedade e expandir novos horizontes artísticos. Na primeira metade do sec. 20, eles procuraram novos caminhos para realizar seu ideal de uma linguagem universal bem orientada na musica. Longe de seguir a moda, e imitar cegamente, eles adquiriram verdadeira forma de expressão individual, através do estudo criativo da musica de lugares distantes mas não esquecidos,  dessa forma, chegaram a exercer real influência artística.”