segunda-feira, 6 de abril de 2015

Música - Hazrat Inayat Khan

A palavra música que usamos em nossa linguagem diária, nada mais é do que o retrato do nosso bem amado. É pelo fato de a música ser o retrato de nosso bem amado que amamos a música. A questão é saber o que é, e aonde se encontra o nosso bem amado. Nosso bem amado é nosso começo e nosso fim. E o que dele vemos diante dos nossos olhos físicos é a beleza que se descortina diante de nós. E a parte de nosso bem amado que não é manifesta a nossos olhos é aquela forma interna de beleza, mediante a qual nosso bem amado nos fala. Se ao menos pudéssemos escutar a voz de toda a beleza que nos atrai de qualquer forma, verificaríamos que, em todos os seus aspectos, ela nos diz que por traz de toda manifestação esta o espirito perfeito, o espirito da sabedoria. Que coisa vemos como a principal expressão da beleza visível diante de nós? O movimento. Nas linhas, nas cores, na mudança das estações, na subida e descida das ondas, no vento, na tempestade, em tudo a beleza da natureza esta em constante movimento. É o movimento que cria os dias e as noites, bem como as mudanças das estações. E tal movimento deu-nos o entendimento daquilo que chamamos de tempo. De outra maneira, não haveria tempo, pois, na verdade só existe a eternidade. E o fato nos ensina que tudo aquilo que amamos e admiramos, observamos e compreendemos, é a vida que se oculta por trás dessas coisas, sendo a vida de nosso próprio ser

 É por força de nossas limitações que não podemos ver o ser total de Deus, No entanto, tudo o que amamos nas cores, nas linhas, nas formas ou personalidade pertence à beleza real, ao bem amado e a todos. E quando descobrimos o que é que nos atrai nessa beleza que vemos nas formas, descobrimos que é seu movimento. Em outras palavras, é a música. Todas as formas da natureza, como por exemplo as flores, têm cores e formas perfeitas. Os planetas, as estrelas a terra, tudo nos da a ideia de harmonia, de música, a própria natureza respira. Fazem-no não apenas as criaturas vivas, mas a natureza como um bloco. E é apenas a nossa tendência de comparar aquilo que parece vivo com aquilo que parece menos vivo que nos faz esquecer que todas as coisas e todos os seres estão vivendo uma vida única e perfeita. E o sinal dessa vida nos é dado pela beleza viva da música. O que é que faz a alma do poeta dançar? A música. O que é que faz com que o pintor produza belos quadros, com que o músico cante lindas canções? É a inspiração concedida pela beleza. Assim, os sufis chamam essa beleza de “saki”, a divina doadora, que da o vinho da vida a todos. Qual é o vinho dos sufis? A beleza nas formas, nas linhas, nas cores, na imaginação, nos sentimentos, nas maneiras. Em tudo ele vê essa beleza única. Todas essas diferentes formas são parte do espirito da beleza que constitui a vida por trás dela, como benção continua.  Quanto ao que, em nossa vida diária, chamamos de música, para mim arquitetura é música, jardinagem é música cuidar de fazendas é música, pintar é música, poesia é música. Em todas as atividades da vida aonde a beleza serviu de inspiração, aonde o vinho divino foi derramado há música. No entanto, dentre as diferentes artes, a arte musical foi especialmente considerada divina, porque ela é a miniatura exata da lei que trabalha através do universo inteiro. Por exemplo, se nos examinarmos, verificaremos que as pulsações a batidas do coração, a inalação e exalação do ato de respirar, são em bloco, um trabalho ritmado. A vida depende do trabalho desse ritmo no mecanismo total do corpo. A respiração manifesta-se pela forma de voz, de palavra ou de som e esse som é continuamente audível, seja ele interno ou externo a nos mesmos. 

A música inspira não apenas a alma dos grandes músicos, mas também a todos os recém-nascidos, que no momento em que chegam ao mundo, começam a mover pernas e braços ao ritmo da música. Portanto, não é exagero dizer que a música é a linguagem da beleza daquele que todos amamos. E quando conseguimos conscientizar esse fato e reconhecer a perfeição de toda a beleza de toda a beleza como deus, nosso bem amado, compreende-se por que motivo a música que experimentamos na arte e no universo inteiro tem de ser chamada de arte divina. Muitos nesse mundo fazem da música uma fonte de entretenimento, um passatempo, e para muitos, a música é uma arte e o músico um mero entretorcedor. No entanto, ninguém que tenha vivido nesse mundo, que tenha pensado e sentido, poderia jamais deixar de considerar a música como a mais sagrada de todas as artes, pois o fato é que aquilo que a arte da pintura não pode sugerir claramente, a poesia explica em palavras. Não obstante, aquilo que até mesmo um poeta acha difícil de expressar em palavras, é expresso claramente em música. Com isso, não apenas digo que a música é superior às artes, e a poesia, mas que ela assume um papel de religião, pois a música eleva a alma do homem a alturas maiores do que as formas externas das assim chamadas religiões. Não se deve entender, com estas palavras, que a música pode tomar o lugar da religião, pois nem todas as almas estão necessariamente sintonizadas naquele tom dentro do qual poderiam, realmente, beneficiar-se com a música, e nem todas as músicas são necessariamente tão elevadas a ponto de exaltar uma pessoa como a religião pode fazer. No entanto, para aqueles que trilham o caminho do culto interior, a música é essencial para seu desenvolvimento espiritual. A razão disto, é que a alma que se encontra em processo de busca esta procurando ao DEUS sem forma. A arte é, sem duvida, bastante inspiradora, mas ao mesmo tempo, ela tem forma. A poesia tem palavras, nomes e formas sugestivas. Só a música dispõe de beleza, força, charme e, ao mesmo tempo, pode elevar a alma para além da forma. Eis porque, nos tempos antigos, os maiores profetas eram grandes músicos. Por exemplo, entre os profetas hindus encontramos Narada, o profeta que também era músico e Shiva, que foi um Deus-profeta, e que foi o inventor da sagrada veena. A Krishna igualmente atribui-se o invento da flauta. Também existe uma lenda bastante conhecida e ligada à vida de Moisés, a qual afirma que Moisés ouviu uma ordem divina, no monte Sinai, vertida nas seguintes palavras ”muse-ke” ou seja, “ouve Moisés”, e a revelação lhe foi dada sobre a forma de tom e ritmo, tendo ele batizando-a de Musik. As palavras música e Musike tiveram ai sua origem. As canções e salmos de Davi tornaram-se conhecidas através das idades e sua mensagem foi transmitida em forma de música. O Orfeu, das lendas gregas, conhecedor dos mistérios do tom e do ritmo, tinha por meio desse conhecimento, o domínio sobre as forças ocultas da natureza.  A deusa hindu da beleza e do conhecimento, cujo nome é saraswati, foi sempre vista com uma veena nas mãos. O que isto sugere? Sugere que toda a harmonia tem sua essência na música. E, em paralelo com o charme natural oferecido pela música, existe também um encantamento magico que pode ser experimentado mesmo em nossos dias. Parece que a humanidade perdeu uma grande parte da ciência magica, mas, se existe alguma magia, ela repousa na música. Além de sua força, a música inebria. Quando ela inebria aqueles que ouvem, imagine o quanto ela não toca aqueles que a executam ou cantam!... E o quanto ela não deve inebriar aqueles que roçaram a perfeição na música e meditaram sobre ela durante anos a fio. Isso lhes confere uma alegria e uma exaltação semelhante a de um rei sentado no trono.

De acordo com os pensadores do oriente, existem 5 diferentes inebriamentos: o  da beleza, da juventude e da força, logo seguidos pelo da riqueza. O terceiro inebriamento é o do poder, do comando e do governo, E existe um quarto tipo que é o do aprendizado, do conhecimento. No entanto, esse quatro tipos de inebriamento empalidecem como as estrelas diante do sol representado pelo inebriamento da música. A razão disso é que ela toca a mais intimas parte do ser humano. A música tem maior alcance do que qualquer outra impressão causada pelo mundo exterior. E a beleza da música é tanto o berço da criação, como o meio de absorvê-lo. Em outras palavras, o mundo foi criado através da música e através dela será novamente integrado na fonte que o criou. Neste mundo material e cientifico podemos observar um exemplo semelhante. Antes que qualquer maquina funcione, primeiro deve-se ouvir um ruído. Primeiro esse ruído se faz audível para que depois, mostre a sua vida. Podemos observar isso num avião. Tal ideia pertence ao misticismo do som. Antes que uma criança seja capaz de admirar cores e formas, ela aprecia o som. Se existe algum tipo de arte capaz de carregar a juventude de vida, e entusiasmo, paixão e moções, essa arte é a música. Se existe algum tipo de arte através da qual uma pessoa possa manifestar integralmente seus sentimentos e moções, tal arte é a música. Ao mesmo tempo, ela é algo que da ao homem aquela força e aquele poder de agir que faz com que soldados marchem ao som dos tambores e dos clarins. As tradições do passado afirmam que no ultimo dia, haverá um som de trombetas antes do final do mundo. Isso mostra como a música acha-se ligada com o começo, a continuidade, e o fim da criação. Os místicos de todas as idades amaram muito a música. Em quase todos os círculos do culto interior, em qualquer parte do mundo, a música parece ser o centro da cerimônia do culto. E aqueles que atingiram a paz perfeita que responde pelo nome de nirvana ou samadhi na linguagem dos hindus, conseguem-no melhor através da música.


Os sufis, portanto, especialmente os da escola Chishtia dos tempos antigos, fizeram da música o centro e sua meditações. Por tal método de meditação eles extraem muitos benefícios dela, mais do que aqueles que o fazem sem a ajuda da música. O efeito que eles experimentam é o desdobramento da alma e a abertura das faculdades intuitivas. Seus corações, por assim dizer, abrem-se a todo tipo de beleza que existe do lado de dentro e do lado de fora, elevando suas almas e, ao mesmo tempo, trazendo a eles aquela perfeição pela qual todas as almas anseiam.

- Hazrat Inayat Khan



Referencias:
 Hazrat Inayat Khan - Música primeiro capitulo.

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